CAPÍTULO 6. CRÉDITO PÚBLICO


1. O conceito legal de operação de crédito (art. 29, inciso III da LRF) envolve:

a) mútuo (empréstimos);

b) abertura de crédito;

c) emissão e aceite de títulos;

d) aquisição financiada de bens;

e) recebimento antecipado de valores.

Equipara-se a operação de crédito a assunção, o reconhecimento e a confissão de dívidas pelo ente estatal.


2. Toda e qualquer operação financeira efetivada com o objetivo de carrear recursos para os cofres públicos caracteriza-se como empréstimo público. Segundo a doutrina, pode ser:

a) ato de soberania;

b) ato legislativo;

c) ato contratual.


3. Natureza jurídica do empréstimo público. Seria um contrato de direito público em função dos seguintes traços:

a) prévia previsão orçamentária;

b) autorização legal (específica ou na lei orçamentária);

c) autorização (nas externas e com aval da União) e controle (fixação de limites) do Senado;

d) finalidade pública (investimento, rolagem, etc);

e) alteração unilateral de cláusulas (se previstas em lei);

f) prestação de contas;

g) inviabilidade de execução específica (impenhorabilidade dos bens públicos);

h) possibilidade de rescisão unilateral (resgate antecipado).


4. Classificação do empréstimo público e conceitos importantes:


4.1. Quanto ao prazo de duração ou de pagamento da operação:

a) flutuante (resgate em até 12 meses): art. 92 da Lei n. 4.320/64. Para suprir deficiências de caixa, custear despesas correntes e de custeio (nunca de investimento);

b) fundada ou consolidada (resgate em prazo superior a 12 meses): art. 98 da Lei n. 4.320/64 e art. 29, inciso I da LRF. Atender desequilíbrio orçamentário ou financiamento de obras e serviços públicos.


4.2. Dívida Soberana: garantida por um Estado ou seu Banco Central


4.3. Quanto à formalização

a) contratual: mediante contrato escrito com cláusulas bem definidas

b) mobiliária: por intermédio da emissão de títulos


4.4. Quanto à documentação

a) física: ocorre a emissão de documentos físicos

b) virtual: são realizados registros meramente eletrônicos


4.5. Quanto à nacionalidade

a) dívida interna: contraída em moeda nacional e por residentes

b) dívida externa: contraída em moeda estrangeira e por não-residentes

Na prática, o papel dos desempenhado por dealers estrangeiros (bancos) distorce a classificação.


4.6. Quanto à titularidade jurídica do devedor

a) dívida direta: contraída pelo Estado ou Poder Público

b) dívida indireta: contraída pelo particular e garantida pelo Poder Público


4.7. Quanto à natureza do credor

a) dívida multilateral: os credores são organismos multilaterais (FMI, Banco Mundial, etc)

b) dívida bilateral: os credores são governos ou bancos públicos de outros países

c) dívida comercial: os credores são bancos privados internacionais (considerando a evolução de contratos para títulos soberanos)


4.8. Quanto à composição

a) dívida bruta: totalidade das obrigações assumidas pelo Estado (base para cálculo dos juros nominais, amortizações e custos)

b) dívida líquida: dívida bruta deduzida de ativos financeiros e créditos (a receber)


4.9. Juros: remuneração do capital emprestado paga pelo devedor

a) juros nominais: percentual indicado ou contratado de rendimento

b) juros reais: juros nominais – inflação (perda do poder de compra)

Exemplo:

10% (juros nominais) – 4% (inflação) = 6% (juros reais)

A Lei n. 4.320, de 1964, em seu art. 13, classifica os juros como despesas correntes (não alteram a situação patrimonial do Poder Público porque não afetam o estoque de dívidas).


4.10. Encargos: parcelas de várias naturezas cobradas do devedor (seguros, comissões, honorários, etc)


4.11. Amortizações: "despesas orçamentárias com o pagamento e/ou refinanciamento do principal e da atualização monetária ou cambial da dívida pública interna e externa, contratual ou mobiliária" (Manual Técnico de Orçamento. 2016)

A Lei n. 4.320, de 1964, em seu art. 13, classifica as amortizações como despesas de capital (alteram a situação patrimonial do Poder Público ao reduzir o estoque de dívidas).


4.12. Refinanciamento (ou rolagem)

a) Lei de Responsabilidade Fiscal

Art. 29. Inciso V. "Refinanciamento da dívida mobiliária: emissão de títulos para pagamento do principal acrescido da atualização monetária".

b) Lei n. 13.255, de 14 de janeiro de 2016. Estima a receita e fixa a despesa da União para o exercício financeiro de 2016.

Seção I
Da Estimativa da Receita

Art. 2o A receita total estimada nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social é de R$ 2.903.425.049.341,00 (dois trilhões, novecentos e três bilhões, quatrocentos e vinte e cinco milhões, quarenta e nove mil, trezentos e quarenta e um reais), incluindo a proveniente da emissão de títulos destinada ao refinanciamento da dívida pública federal, interna e externa, em observância ao disposto no art. 5o, § 2o, da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, na forma detalhada nos Anexos a que se referem os incisos I e VIII do art. 10 desta Lei e assim distribuída:

I - Orçamento Fiscal: R$ 1.376.170.568.219,00 (um trilhão, trezentos e setenta e seis bilhões, cento e setenta milhões, quinhentos e sessenta e oito mil, duzentos e dezenove reais), excluída a receita de que trata o inciso III deste artigo;

II - Orçamento da Seguridade Social: R$ 642.254.150.818,00 (seiscentos e quarenta e dois bilhões, duzentos e cinquenta e quatro milhões, cento e cinquenta mil, oitocentos e dezoito reais); e

III - Refinanciamento da dívida pública federal: R$ 885.000.330.304,00 (oitocentos e oitenta e cinco bilhões, trezentos e trinta mil, trezentos e quatro reais), constantes do Orçamento Fiscal.

Seção II
Da Fixação da Despesa

Art. 3o A despesa total fixada nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social é de R$ 2.903.425.049.341,00 (dois trilhões, novecentos e três bilhões, quatrocentos e vinte e cinco milhões, quarenta e nove mil, trezentos e quarenta e um reais), incluindo a relativa ao refinanciamento da dívida pública federal, interna e externa, em observância ao disposto no art. 5o, § 2o, da LRF, na forma detalhada entre os órgãos orçamentários no Anexo II desta Lei e assim distribuída:

I - Orçamento Fiscal: R$ 1.177.043.017.451,00 (um trilhão, cento e setenta e sete bilhões, quarenta e três milhões, dezessete mil, quatrocentos e cinquenta e um reais), excluídas as despesas de que trata o inciso III;

II - Orçamento da Seguridade Social: R$ 841.381.701.586,00 (oitocentos e quarenta e um bilhões, trezentos e oitenta e um milhões, setecentos e um mil, quinhentos e oitenta e seis reais); e

III - Refinanciamento da dívida pública federal: R$ 885.000.330.304,00 (oitocentos e oitenta e cinco bilhões, trezentos e trinta mil, trezentos e quatro reais), constantes do Orçamento Fiscal.

c) Manual Técnico de Orçamento (2016). Elementos de despesa

"76 - Principal Corrigido da Dívida Mobiliária Refinanciado
Despesas orçamentárias com o refinanciamento do principal da dívida pública mobiliária, interna e externa, inclusive correção monetária ou cambial, com recursos provenientes da emissão de novos títulos da dívida pública mobiliária.

77 - Principal Corrigido da Dívida Contratual Refinanciado
Despesas orçamentárias com o refinanciamento do principal da dívida pública contratual, interna e externa, inclusive correção monetária ou cambial, com recursos provenientes da emissão de títulos da dívida pública mobiliária."

Não parece correto, como faz o Manual Técnico de Orçamento, considerar o refinanciamento da dívida como amortização.


5. Formas de extinção do empréstimo público:

a) resgate (à vista) ou amortização (pagamentos sucessivos);

b) conversão (troca);

c) consolidação (flutuante em fundada);

d) compensação (encontro de contas);

e) prescrição (perda do direito de reclamar o crédito);

f) pagamento de tributos (art. 6o. da Lei n. 10.179, de 2001).


6. Crédito público na Lei de Responsabilidade Fiscal:

a) definições (art. 29);

b) equiparação a operação de crédito: assunção, reconhecimento e confissão de dívida (art. 29, §1o.);

c) limites globais para o montante da dívida consolidada da União, Estados e Municípios e limites para o montante da dívida mobiliária federal fixados em percentual da receita corrente líquida para cada esfera de governo (art. 30);

d) recondução da dívida aos limites (art. 31);

e) Ministério da Fazenda: órgão responsável pela verificação dos limites de endividamento e das condições para realização de operações de crédito (art. 32);

f) rol de condições para realização de uma operação de crédito (art. 32, §1o.);

g) setor privado como co-responsável pela fiscalização da LEF (art. 33);

h) vedação do Banco Central emitir títulos da dívida pública (art. 34);

i) vedação da realização de operações de crédito entre entes da Federação e exceções (art. 35);

j) vedação da realização de operações de crédito entre ente da Federação e sua instituição financeira estatal (art. 36);

k) exigências para as operações de crédito por antecipação de receita orçamentária (art. 38);

l) operações com o Banco Central do Brasil (art. 39);

m) garantia e contragarantia (art. 40).


7. Dívida dos Estados e Municípios

"2. Entre meados da década de 1990 e o início dos anos 2000, a União promoveu uma reforma fiscal que incluiu planos de reestruturação e refinanciamento de dívidas dos Governos Regionais, entre outras medidas. O contexto de surgimento dessas medidas foi o estado deficitário insustentável das contas públicas brasileiras. Por meio da Lei no 9.496, de 11 de setembro de 1997, que autorizou a assunção e renegociação das dívidas estaduais pela União no final da década de 1990, fortaleceu-se o pacto federativo nacional e eliminaram-se fontes de desequilíbrio macroeconômico. As condições desse refinanciamento previam, em linhas gerais, o pagamento por parte dos Estados de 20% a título de amortização extraordinária das suas dívidas, mediante a constituição de conta gráfica, e o reescalonamento do saldo restante, pelo prazo de 30 anos, considerando-se, na maior parte, uma taxa de juros de 6,0% ao ano, com atualização monetária pelo Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna - IGP-DI.

3. Nesse movimento, a dívida mobiliária e as dívidas antigas desses entes com bancos e instituições internacionais foram absorvidas pelo Governo Federal, que se tornou o maior credor de Estados e Municípios. Os contratos firmados com os Estados, no âmbito da Lei nº 9.496, de 1997, por exemplo, instituíram a obrigação de que fossem firmados os Programas de Reestruturação e Ajuste Fiscal - PAF, de maneira que fosse monitorada a situação fiscal daqueles que refinanciaram suas dívidas. Além disso, essa reforma trouxe a proibição de emissão de títulos públicos pelos governos regionais e o contingenciamento da oferta de crédito bancário para os entes via resolução do Conselho Monetário Nacional – CMN. Com isso, a capacidade de contratação de novas dívidas por parte desses entes ficou bastante limitada e o resultado fiscal era determinado quase completamente pela necessidade de pagamento das dívidas com o Tesouro Nacional.

4. Em linhas gerais, a renegociação em questão contribuiu para a redução do saldo devedor da dívida financeira dos Estados e do Distrito Federal, por meio da concessão de um subsídio inicial, do alongamento do prazo de pagamento, bem como da redução dos encargos financeiros. Em contrapartida a estes benefícios, os Estados e o Distrito Federal comprometeram-se a observar o adimplemento no pagamento das prestações da dívida refinanciada e a estabelecer e cumprir seus respectivos PAF, que são parte integrante dos contratos de refinanciamento de dívidas, consistindo em um documento por meio do qual um Estado se propõe a adotar ações que possibilitem alcançar metas ou compromissos.

5. Inicialmente assinados pelos governadores dos 25 Estados que refinanciaram suas dívidas (Amapá e Tocantins não o fizeram), os PAF apresentam metas anuais para um triênio, considerando a evolução das finanças estaduais, os indicadores macroeconômicos para o novo período e a política fiscal adotada pelos governos estaduais. A cada ano é avaliado o cumprimento das metas e compromissos do exercício anterior. Anualmente pode ser realizada a atualização de metas para um novo triênio. Estes procedimentos são observados enquanto perdurar o contrato de refinanciamento.

6. Ao longo da existência dos PAF, por conta da adoção de uma postura consistente com a manutenção do equilíbrio fiscal e com a estabilidade macroeconômica, os resultados alcançados pelos Estados foram significativos, em especial na redução do endividamento estadual.

7. Em decorrência da crise internacional de 2008, o Governo Federal empreendeu uma política de preservação do emprego e da renda, por meio do estímulo ao investimento para conter os efeitos da crise sobre a atividade econômica doméstica. Assim, foram criados programas de financiamento com recursos de fontes públicas destinados aos entes federados, com foco no fomento ao investimento em infraestrutura.

8. Ressalta-se, entretanto, que a crise internacional iniciada nos Estados Unidos em 2008 disseminou-se, ao longo dos anos, para a União europeia e a China. Foi a partir de 2014 que a desaceleração da economia chinesa impactou de forma significativa o preço mundial das commodities. O Brasil, como grande produtor de commodities, foi fortemente afetado por esse último desenvolvimento da crise econômica mundial.

9. Dessa forma, com a deterioração do cenário internacional, houve retração da economia brasileira impactando a arrecadação do setor público. Somado a isso, a elevação das despesas obrigatórias, especialmente despesas com pessoal, gerou desequilíbrios fiscais nos entes subnacionais da Federação. Em tal cenário, esses efeitos vêm implicando em dificuldades de ajuste de despesas aos novos patamares de receita

10. Dentro desse contexto foi aprovada a Lei Complementar no 148, de 25 de novembro de 2014, que promoveu a troca dos indexadores originais dos contratos refinanciados no passado (IPCA mais 4% a.a. ou taxa Selic, o que for menor, em substituição aos encargos contratuais originais, IGP-DI mais juros de 6% a 7,5% a.a. para estados e Distrito Federal, e IGP-DI + 9% a.a. para os Municípios). Os municípios foram os grandes beneficiados pela redução dos encargos, com impactos significativos de redução do estoque de dívidas e, por consequência, das prestações. Os estados, por outro lado, não foram beneficiados na mesma magnitude, mostrando constantes dificuldades no pagamento da despesa com pessoal mensal e tendo dificuldades para honrar as parcelas da dívida com a União.

11. Por esse motivo, os estados solicitaram o auxílio do governo federal para cumprimento de suas obrigações mensais e manutenção dos serviços públicos essenciais em funcionamento. As solicitações foram consolidadas na proposta apresentada na 159o do Confaz, ocorrida em Alagoas no dia 11 de dezembro de 2015, em que os estados solicitaram o alongamento do prazo para pagamento das dívidas refinanciadas pela Lei no 9.496, de 1997, por 10 anos.

12. Diante do pleito dos estados, o governo federal elaborou estudos acerca dos impactos a serem gerados nas finanças públicas e os reais benefícios das propostas aos entes da federação brasileira. Contudo, o alongamento de 10 anos proposto pelos estados pioraria a situação de alguns deles, em especial, por força da dinâmica da metodologia de cálculo das parcelas e da eliminação do limite de pagamento a determinado percentual da respectiva Receita Líquida Real. O fim deste limite associado a um prazo de 10 anos implicaria, de imediato, um maior comprometimento financeiro desses entes, cuja parcela de dívida com a União seria aumentada. Respeitando os critérios de isonomia, o governo federal verificou que seria mais eficiente um alongamento de 20 anos, de forma a auxiliar os estados na manutenção de seus serviços essenciais, como saúde, educação e segurança.

13. Diante disso, levando-se em consideração a diversidade de situações dos estados, as medidas ora propostas por este Ministério da Fazenda compreendem ações que permitam suavização de pagamentos de compromissos financeiros para com a União, com o estabelecimento de condicionantes que permitam reequilibrar a situação fiscal desses entes no médio prazo, conforme detalhado a seguir" (EMI nº 36/2016 MF MP. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Projetos/ExpMotiv/EMI/2016/36.htm).


8. A "regra de ouro"

Constituição. Art. 167. São vedados:

III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta;

O endividamento deve, em regra, financiar investimentos patrimoniais ou a amortização da dívida. Fica, assim, vedado o endividamento para o pagamento de despesas correntes (custeio, remunerações, juros da dívida, etc).

Há violação da "regra de ouro" quando parte dos juros (a parcela de atualização monetária) é contabilizada como amortização.




9. A fraude

"5. Apresentei no telão documentos do Arquivo da Constituinte que comprovam ter sido introduzido, por meio de fraude, no art. 166, § 3º, inciso II, da Constituição de 1988, o dispositivo que privilegia as despesas de juros e amortizações da dívida no Orçamento da União.

6. Dito dispositivo não foi jamais discutido nos trabalhos da Constituinte, mas entrou, de contrabando, depois de o texto constitucional ter sido aprovado, sem ele, pelo Plenário, no 1º Turno. Isso permitiu que as despesas com o serviço da dívida somassem – de 1988 ao presente — a colossal quantia de R$ 10 trilhões em preços atualizados." (Adriano Benayon é doutor em Economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento. Disponível em: http://www.viomundo.com.br/denuncias/adriano-benayon-o-golpe-que-priorizou-pagamento-de-r-10-tri-em-juros.html).

Anatomia de uma fraude à Constituição. Adriano Benayon. Pedro Antonio Dourado de Rezende. Brasília, agosto de 2006 (Disponível em: http://www.cic.unb.br/~rezende/trabs/fraudeac.html)

Constituição. Art. 166:

§ 3º - As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:

I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias;

II - indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:

a) dotações para pessoal e seus encargos;

b) serviço da dívida;

c) transferências tributárias constitucionais para Estados, Municípios e Distrito Federal; ou

III - sejam relacionadas:

a) com a correção de erros ou omissões; ou

b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.


10. As controvérsias numéricas

a) uso da dívida líquida

b) registro do pagamento de juros como amortização

c) nível de pagamento dos juros relativamente baixo nos documentos oficiais

d) refinanciamento (ou rolagem) incluindo amortizações

e) crescimento contínuo, notadamente em períodos de superávits primários


11. O "Sistema da Dívida"

"Dessa forma, a crise atual expôs as entranhas do que batizamos de “Sistema da Dívida”, isto é, a utilização do instrumento do endivida-mento público como um sistema de desvio de recursos públicos em direção ao sistema financeiro. Para operar, esse sistema conta com arcabouço de privilégios de ordem legal, política, financeira e econômica que visam a garantir prioridade absoluta aos pagamentos financeiros, em detrimento de direitos humanos e sociais de toda a Nação" (Maria Lucia Fattorelli. http://www.conre2.org.br/infoconre16-9.htm).


12. A auditoria da Dívida Pública

Constituição. ADCT:

"Art. 26. No prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional promoverá, através de Comissão mista, exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro.

§ 1º - A Comissão terá a força legal de Comissão parlamentar de inquérito para os fins de requisição e convocação, e atuará com o auxílio do Tribunal de Contas da União.

§ 2º - Apurada irregularidade, o Congresso Nacional proporá ao Poder Executivo a declaração de nulidade do ato e encaminhará o processo ao Ministério Público Federal, que formalizará, no prazo de sessenta dias, a ação cabível.

"O OAB ajuizou em dezembro de 2004 no Supremo Tribunal Federal a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 59, por meio da qual busca elucidar os termos em que foi construída a dívida externa brasileira. A ação está conclusa ao gabinete do relator, ministro Ayres Britto, desde 28 de novembro de 2008" (http://www.oab.org.br/noticia/22800/oab-quer-auditoria-da-divida-externa-adpf-adormece-no-stf-desde-2008).

Existem fortes indícios de irregularidade em várias operações de formação do endividamento (Plano Brady, PROER, PROES, atualização monetária indevida, lançamento de títulos para pagar juros, etc).


13. Elementos para análise/estudo


a) Dados sobre a dívida pública:


a.1) Banco Central do Brasil:



(imagem completa E) (imagem completa F)



(imagem completa C) (imagem completa D)



(imagem completa A) (imagem completa B)


a.1.1) Evolução recente (em trilhões de reais):


Dezembro/2014:
Bruta = 3,25
Líquida = 1,91

Dezembro/2015:
Bruta = 3,92
Líquida = 2,27

Dezembro/2016:
Bruta = 4,37
Líquida = 2,99


a.2) Portal da Transparência do Governo Federal:


Refinanciamento, juros e resgate:









a.3) Secretaria do Tesouro Nacional:


a.3.1) prazo





a.3.2) leilões









a.4) Auditoria Cidadã da Dívida:











Veja na internet: Dividômetro


b) O Sistema da Dívida Pública e a Auditoria Cidadã da Dívida


Entrevista com Maria Lucia Fattorelli


c) Análise crítica sobre o pagamento de juros e amortizações da dívida pública:


(documento)


d) Decisão judicial pela prescrição de "apólices da dívida pública":





(Recurso Especial julgado pelo STJ)


e) Lei n. 10.179, de 6 de fevereiro de 2001 (Dispõe sobre os títulos da dívida pública de responsabilidade do Tesouro Nacional, consolidando a legislação em vigor sobre a matéria):


Art. 1o Fica o Poder Executivo autorizado a emitir títulos da dívida pública, de responsabilidade do Tesouro Nacional, com a finalidade de:

I - prover o Tesouro Nacional de recursos necessários para cobertura de seus déficits explicitados nos orçamentos ou para realização de operações de crédito por antecipação de receita, respeitados a autorização concedida e os limites fixados na Lei Orçamentária, ou em seus créditos adicionais;

II - aquisição pelo alienante, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização - PND, de que trata a Lei no 9.491, de 9 de setembro de 1997, de bens e direitos, com os recursos recebidos em moeda corrente ou permuta pelos títulos e créditos recebidos por alienantes;

III - troca por Bônus da Dívida Externa Brasileira, de emissão do Tesouro Nacional, que foram objeto de permuta por dívida externa do setor público, registrada no Banco Central do Brasil, por meio do "Brazil Investment Bond Exchange Agreement", de 22 de setembro de 1988;

VI - permuta por títulos do Tesouro Nacional em poder do Banco Central do Brasil;

VII - permuta por títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional ou por créditos decorrentes de securitização de obrigações da União, ambos na forma escritural, observada a equivalência econômica.

VIII - pagamento de dívidas assumidas ou reconhecidas pela União, a critério do Ministro de Estado da Fazenda. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.181-45 de 2001)

IX - assegurar ao Banco Central do Brasil a manutenção de carteira de títulos da dívida pública em dimensões adequadas à execução da política monetária. (Incluído pela Lei nº 11.803, de 2008)

X - realizar operações, definidas em lei, com autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista, integrantes da administração pública federal, a critério do Ministro de Estado da Fazenda; e (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014) (Vigência)

XI - realizar operações relacionadas ao Programa de Financiamento às Exportações - PROEX, instituído pela Lei no 10.184, de 12 de fevereiro de 2001. (Incluído pela Lei nº 13.043, de 2014) (Vigência)

Parágrafo único. Os recursos em moeda corrente obtidos na forma do inciso II deste artigo serão usados para:

I - amortizar a Dívida Pública Mobiliária Federal de emissão do Tesouro Nacional;

II - custear programas e projetos nas áreas da ciência e tecnologia, da saúde, da defesa nacional, da segurança pública e do meio ambiente, aprovados pelo Presidente da República.

Art. 2o Os títulos de que trata o caput do artigo anterior terão as seguintes denominações:

I - Letras do Tesouro Nacional - LTN, emitidas preferencialmente para financiamento de curto e médio prazos;

II - Letras Financeiras do Tesouro - LFT, emitidas preferencialmente para financiamento de curto e médio prazos;

III - Notas do Tesouro Nacional - NTN, emitidas preferencialmente para financiamento de médio e longo prazos.

Parágrafo único. Além dos títulos referidos neste artigo, poderão ser emitidos certificados, qualificados no ato da emissão, preferencialmente para operações com finalidades específicas definidas em lei.

Art. 4o São isentos do Imposto sobre a Renda os juros produzidos pelas NTN emitidas na forma do inciso III do art. 1o desta Lei, bem como os referentes aos bônus emitidos pelo Banco Central do Brasil para os fins previstos no art. 8o do Decreto-Lei no 1.312, de 15 de fevereiro de 1974, com a redação dada pelo Decreto-Lei no 2.105, de 24 de janeiro de 1984.

Art. 5o A emissão dos títulos a que se refere esta Lei processar-se-á exclusivamente sob a forma escritural, mediante registro dos respectivos direitos creditórios, bem assim das cessões desses direitos, em sistema centralizado de liquidação e custódia, por intermédio do qual serão também creditados os resgates do principal e os rendimentos.

Art. 6o A partir da data de seu vencimento, os títulos da dívida pública referidos no art. 2o terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal, de responsabilidade de seus titulares ou de terceiros, pelo seu valor de resgate.


(lei 10.179)


f) Resolução n. 40, de 2001 (Dispõe sobre os limites globais para o montante da dívida pública consolidada e da dívida pública mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, em atendimento ao disposto no art. 52, VI e IX, da Constituição Federal):


(resolução 40)


g) Resolução n. 43, de 2001 (Dispõe sobre as operações de crédito interno e externo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessão de garantias, seus limites e condições de autorização, e dá outras providências):


(resolução 43)


h) Operações compromissadas e swap cambial


AUDITAR A DÍVIDA PÚBLICA NÃO É BOBAGEM
Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila
(artigo)

OPERAÇÕES COMPROMISSADAS: O HÄAGEN-DAZS DOS BANCOS
Aldemario Araujo Castro
(artigo)


i) Dívida dos Estados e Municípios


A crise fiscal dos Estados
Marcos Lisboa e Ana Paula Vescovi
(artigo)

O impasse da dívida de Estados e Municípios
Maria Lucia Fattorelli
(artigo)


j) "Pedaladas fiscais" (um dos crimes de responsabilidade apontados para o processo de impeachment de Dilma Rousseff)





Lei de Responsabilidade Fiscal:

Art. 29, inciso III: "operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serv iços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros".

Art. 36: "É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo".


"PARECER

Da COMISSÃO ESPECIAL DO IMPEACHMENT, referente à admissibilidade da DEN nº 1, de 2016 [DCR no 1, de 2015, na origem] – Denúncia por crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, por suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 85, VI e art. 167, V; e Lei nº 1.079, de 1950, art.10, item 4 e art. 11, item 2); e da contratação ilegal de operações de crédito (Lei nº 1.079, de 1950, art. 11, item 3).

RELATOR: Senador ANTONIO ANASTASIA

2.6.2. A suposta contratação ilegal de operações de crédito

A DEN nº 1, de 2016, alega a existência de crime de responsabilidade, em desfavor da Presidente da República, em razão da suposta contratação ilegal de operações de crédito. Na ementa da referida denúncia, é citado o seguinte dispositivo da legislação tida por infringida:

e) Lei nº 1.079, de 1950 (art. 11, item 3)

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:

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3 - Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.

Os contornos gerais dessas contratações de operações de crédito foram delineados no item 2.5 deste Relatório. O conjunto mais amplo dessas operações se refere a financiamentos obtidos pela União junto: (i) a instituições financeiras por ela controladas, quais sejam: BB, BNDES e Caixa; e (ii) ao FGTS.

O traço comum desse conjunto de operações reside no fato de terem sido supostamente realizadas sem a observância das condições impostas pela LRF. Há, contudo, o aspecto distintivo de que, no primeiro caso, em que estão envolvidos bancos públicos, as operações teriam contrariado, mais especificamente, o dispositivo expresso daquela lei que veda operações de crédito entre os entes da Federação e instituições financeiras por eles controladas (art. 36).

Nesse passo, é pertinente registrar, com vistas ao exame sobre a suposta ilegalidade dessas contratações, que, em abril de 2015, as operações de crédito em comento já haviam sido consideradas irregulares pelo TCU, em auditoria que culminou no Acórdão nº 825/2015-TCU-Plenário. Naquela ocasião, com efeito, foram especificamente analisados os atrasos reiterados e crescentes dos repasses de recursos devidos pelo Tesouro a bancos públicos e ao FGTS.

Esse Acórdão é resultado da auditoria iniciada em agosto de 2014 (TCU 021.643/2014-8), a partir de representação formulada pelo Ministério Público junto à Corte de Contas. À época, tais atrasos também já vinham sendo noticiados pela imprensa, com o uso da expressão “pedaladas fiscais”.

Conforme apontado pelo TCU, como consequência desses atrasos, ao final de 2014, a dívida da União (variável de estoque) estaria subdimensionada em R$ 40,2 bilhões e o resultado primário do exercício (variável de fluxo) em R$ 7,1 bilhões.

Cabe recuperar, nessa esteira, que o motivo pelo qual a Corte de Contas da União considerou irregulares essas operações foi o fato de distorcerem as estatísticas fiscais oficiais relativas a dívida e déficit público, e, ainda, infringirem a LRF, em especial no tocante à mencionada vedação imposta pelo seu art. 36, o qual impede que a União, assim como os demais entes da Federação, seja financiada por instituições financeiras por ela controladas. In verbis:

Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo. [grifamos]

Essa vedação é central à presente análise porque a questão das chamadas “pedaladas fiscais” diz respeito, em maior medida, justamente ao financiamento de despesas de responsabilidade da União por parte de instituições financeiras por ela controladas, mais especificamente BB, BNDES e Caixa, conforme inicialmente registrado.

Acerca desse aspecto, sublinhe-se que a principal questão a ser observada, à vista desse impedimento legal, não se refere à interpretação literal da expressão “operação de crédito”, contida no citado art. 36 da LRF, ou ao seu estrito enquadramento formal aos financiamentos concedidos à União pelos citados bancos públicos. De maior importância, na realidade, é a compreensão do significado desse comando, extraído sob a ótica das finanças públicas e do direito financeiro. Ou seja, a pergunta correta é: qual é o espírito da lei? Por que razão tal dispositivo foi redigido? Trata-se, afinal, de interpretar uma lei que se destina a zelar pela responsabilidade fiscal. O bem jurídico tutelado nunca deve ser perdido de vista.

Sob essa perspectiva, é preciso ter em mente que a finalidade da proibição insculpida no art. 36 do Código de Conduta Fiscal é impedir o endividamento desenfreado dos entes da Federação junto às instituições financeiras controladas, bem como evitar que estas incorram em perdas significativas no caso de inadimplência daqueles. Tais práticas, comuns no período pretérito à LRF, representaram uma das faces da irresponsabilidade na condução das finanças públicas. Isso ocorria porque, na ausência de impedimento legal, alguns bancos oficiais deixavam de adotar o indispensável rigor técnico na análise de concessão de crédito aos entes controladores, muitos deles então bastante endividados.

Nos casos em apreço, verifica-se que, a despeito da citada censura legal, a União valeu-se de instituições financeiras por ela controladas para, com recursos próprios dessas empresas, suportar o pagamento de obrigações de sua responsabilidade. Ao assim proceder, a União passou a ser devedora dessas instituições financeiras.

Cito, em reforço, que a LRF, ao conceituar as operações de crédito, e apenas para seus efeitos, cuidou de ofertar uma lista não exaustiva de situações que ensejam o enquadramento como operação de crédito:

Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:

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III - operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;

................................................................................... [grifamos]

A inclusão da expressão “e outras operações assemelhadas” torna indisfarçável a opção pela primazia do conteúdo sobre a forma no tocante ao conceito de operação de crédito, para efeito de aplicação da LRF. Assim, adentrar questões terminológicas sobre esse conceito, socorrendo-se de institutos típicos de outros ramos do direito que não o financeiro e orçamentário, é tentar se desviar do que realmente interessa.

Aliás, a não diferenciação na noção de operação de crédito acabou por transparecer na abordagem do professor Ricardo Lodi (3.5.2016), ao afirmar que “a Lei de Responsabilidade Fiscal não estabelece um conceito de operação de crédito diferente do Direito Privado”. Não é este, contudo, o posicionamento do Dr. Júlio Marcelo de Oliveira, que destaca a diferença de significado a partir do regime jurídico aplicável:

Operação de crédito para a LRF não é apenas o governante, seguindo trâmites normais, convencionais, apresentar um pedido de crédito a um banco, o pedido ser analisado, o banco conceder o crédito e o crédito estar disponível para o gasto. Essa é a operação de crédito convencional. A LRF equipara operação de crédito a qualquer situação em que o banco passe a financiar, que gere um compromisso financeiro do ente perante a instituição financeira, sendo que, desse compromisso financeiro, haja o efeito de financiamento das contas públicas. É um conceito amplo. Não é, portanto, nem o conceito do Código Civil nem o conceito restrito da prática bancária.

De fato, não cabe ignorar os efeitos decorrentes de regimes jurídico díspares – Código Civil e LRF, sob pena de esvaziar a identidade de cada qual. Afinal, se a LRF representa um código de conduta que buscou colocar sob permanente tutela a sustentabilidade fiscal, é nítido que, mais relevante do que a forma dos atos de gestão fiscal é o seu efeito material para o equilíbrio intertemporal das contas públicas.

Por essa razão primordial, qual seja, a da prevalência da essência sobre a forma, a de averiguar a tipicidade material, e não apenas a tipicidade formal, que se torna indispensável proceder a uma análise segregada dessas operações, para se chegar aos fatos específicos levantados na denúncia.

Vejamos, portanto, novamente a título de contextualização, as principais características dessas operações, desdobradas por credor (Caixa, FGTS, BNDES e BB), de modo que tenhamos melhores condições de avaliar o caso mais específico relativo às operações entre União e BB no âmbito do Plano Safra. Com esse enfoque, destaco o valor comparativo entre as operações da União com o BB e com o BNDES em razão das suas similaridades, na medida em que ambas dizem respeito a subvenções econômicas por equalização de taxas de juros envolvendo bancos públicos.

Com essa abordagem, passo a discorrer, nesta ordem, sobre as operações relativas à Caixa, ao FGTS, ao BNDES e, por fim, ao BB. (...)

2.6.2.4. Financiamento de despesas da União pelo BB

Trata-se, conforme antecipado, de situação similar à analisada no item anterior, uma vez que os passivos da União junto ao BB tiveram origem, sobretudo, em subvenção econômica concedida pela União sob a modalidade de equalização de taxas de juros em operações de crédito relativas à safra agrícola (Plano Safra).

Esse caso representa, ademais, a tônica, no tocante à suposta contratação ilegal de operações de crédito, do Parecer da Comissão Especial do Impeachment da Câmara dos Deputados, aprovado em 11/04/2016 (DCR nº 1, de 2015).

A autorização para a concessão de subvenções econômicas, ora em análise, foi dada pela Lei nº 8.427, de 1992, a qual estatui que o Poder Executivo fica autorizado a conceder tais subvenções a produtores rurais e suas cooperativas sob a forma de equalização de taxas de juros. Segundo o art. 5º dessa lei, compete ao Ministério da Fazenda estabelecer os critérios, limites e normas operacionais para a concessão dessa subvenção de equalização de juros. Nessa esteira, a Portaria nº 315, de 21/07/2014, tomada a título ilustrativo, também definiu, à semelhança do que se viu em relação às subvenções devidas ao BNDES em razão do PSI, como semestral o período de apuração dessas subvenções devidas pela União ao BB.

Outrossim, estabeleceu a citada Portaria que a equalização é considerada devida no primeiro dia após o período de apuração, devendo ser atualizada até a data do efetivo pagamento pela Secretaria do Tesouro Nacional. Note-se que, conquanto o prazo de pagamento, neste caso, tenha sido deixado em aberto, fato é que os valores já eram considerados devidos imediatamente após a apuração semestral da equalização, de modo que, deste ponto em diante, já haveria a necessidade de registro do acréscimo da dívida da União junto ao BB nas estatísticas fiscais oficiais.

Ocorre que, conforme apontado pelo TCU, além de não efetuar os pagamentos em prazos exíguos subsequentes, a União também deixou de registrar o consequente endividamento junto ao BB. Ocorria, assim, a evidenciação de resultados fiscais mais favoráveis que a realidade, com o subdimensionamento do déficit primário e da dívida pública federal.

Na realidade, portanto, o BB terminava por financiar uma política pública da União, qual seja, a de concessão de subsídios a produtores agrícolas. Trata-se, por esse motivo, de mais um caso de inobservância do já citado art. 36 da LRF, que veda a realização de operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.

É o que se colhe das considerações do professor José Maurício Conti perante esta Comissão (2.5.2016):

“Houve, portanto, endividamento entre a União e o Banco do Brasil, instituição financeira por ela controlada, em desacordo com a legislação vigente, pois expressamente vedada pelo art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle na qualidade de beneficiário do empréstimo."

O gráfico adiante revela a evolução do passivo da União acumulado junto ao BB no período de dezembro de 2001 a dezembro de 2015.

A análise do gráfico confirma os indícios apontados na denúncia. A exemplo do caso do BNDES, o passivo da União junto ao BB, que em dezembro de 2014 era de R$ 10,9 bilhões, continuou a crescer ao longo de 2015, chegando em novembro a R$ 12,5 bilhões. O montante apenas se reduz em dezembro, com a já citada quitação de passivos efetuada em razão dos Acórdãos 825 e 3.297/2015-TCU-Plenário.

Cabe complementar que, do ponto de vista qualitativo, o que se tem, originariamente, é uma relação legal entre a União e o BB que em nada deveria se assemelhar a uma operação de crédito, mas que, especialmente a partir de 2013, parece ter sido utilizada como instrumento de financiamento da União, em confronto com vedação expressa da LRF".


Autor: Aldemario Araujo Castro.
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Brasília, 8 de maio de 2017.