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DESORGANIZADA A COBRANÇA JUDICIAL DA DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO DE NATUREZA NÃO-TRIBUTÁRIA


Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Membro do Conselho Consultivo da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários
Ex-Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União
Ex-Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional
Brasília, 20 de dezembro de 2005


O Diário Oficial da União do último dia 13 de dezembro publicou despacho do Exmo. Sr. Presidente da República de aprovação do Parecer n. AGU-AC-047/2005, do Advogado-Geral da União, que, por sua vez, adotou o Parecer n. AGU-SF-03/2005.

A referida aprovação pelo Exmo. Sr. Presidente da República foi realizada nos termos do art. 40, parágrafo primeiro da Lei Complementar n. 73, de 1993. Assim, trata-se de definição vinculante para toda a Administração Pública Federal ("... órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento").

Destaco uma das conclusões presentes na manifestação aprovada pelo Exmo. Sr. Presidente da República:

"c) no âmbito federal, a competência para inscrição do crédito, em baila, em dívida ativa da União de natureza não-tributária é da Procuradoria da Fazenda Nacional, já a competência, para a representação judicial da Fazenda Pública Federal é da Procuradoria da União;".

A aludida conclusão foi objeto, ainda, de despacho do Consultor-Geral da União neste sentido:

"... o exercício dessa competência administrativa de representação Fazenda Pública é atribuída ao Advogado da União, e não à Procuradoria da Fazenda Nacional, pois que a esta lhe cabe tão só a execução da dívida tributária e a representação da União nas causas de natureza fiscal, ... No caso da União, a Fazenda Pública é representada em juízo pelo Procurador da Fazenda Nacional somente quando cuidar-se de execução da dívida ativa tributária ou de causa de natureza fiscal (art. 131, parágrafo terceiro CF e art. 12, II e V, L.C 73/93); nos demais casos - como o de cobrança da multa penal, inclusive - a Fazenda Pública é representada pelos Advogados da União".

Em que pese o profundo equívoco jurídico consagrado nos referidos parecer e despacho (1), é certo que a decisão presidencial promove transformações de grande monta no panorama da atuação judicial da União. Sofre radical mudança a cobrança judicial de dívidas de natureza não-tributária, superado que foi o formato exercitado por mais de 15 (quinze) anos. Com efeito, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) sai de "cena" e passa a atuar em cerca de 500 (quinhentos) mil processos de execução fiscal (2), onde são cobradas dívidas de natureza não-tributária, a Procuradoria-Geral da União (PGU) (3).

Registre-se que a mudança referida (dos órgãos e agentes públicos responsáveis pela atuação judicial da União na cobrança de débitos de natureza não-tributária) deve ocorrer a partir de 13 de dezembro de 2005, data de publicação da decisão presidencial mencionada no Diário Oficial da União. Convém destacar que não há prazo ou condição para que a representação judicial da União "mude de mãos" (dos órgãos da PGFN para os órgãos da PGU, dos Procuradores da Fazenda Nacional para os Advogados da União).

Neste contexto, dois aspectos devem ser ressaltados:

a) a inconseqüência governamental de, numa penada, desorganizar completamente a atividade de recuperação de créditos públicos federais de natureza não-tributária (4). Cumpre destacar que o atual (des)governo federal já fragiliza este importante setor das ações estatais com contingenciamentos orçamentários, supressão de meios humanos e materiais de trabalho e aviltamento remuneratório dos advogados públicos. Agora, com a medida presidencial destacada, consegue a relevante proeza de piorar o que já era deficiente (5);

b) a desarticulação administrativa representada pela ausência de orientações, pelos órgãos competentes da Advocacia Pública da União, dos procedimentos a serem adotados por Procuradores da Fazenda Nacional (que deixam de atuar em milhares de processos de execução fiscal) e por Advogados da União (que passam a atuar nos mesmos processos).

Este é mais um bom exemplo do estilo "neopetista" de governar.


NOTAS:

(1) Segundo o art. 1o. do Decreto-Lei n. 147, de 1967: “A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (P.G.F.N.) é o órgão jurídico do Ministério da Fazenda, diretamente subordinado ao Ministro de Estado, dirigido pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional e tem por finalidade privativa: (...) II - apurar e inscrever, para fins de cobrança judicial, a dívida ativa da União, tributária (art. 201, da Lei número 5.172, de 25 de outubro de 1966) ou de qualquer outra natureza;”. No momento da edição do Decreto-Lei n. 147, a PGFN não possuía atribuição de representar a União em juízo. Assim, as certidões de inscrições de débitos em Dívida Ativa eram encaminhadas ao Ministério Público para a efetivação da cobrança judicial. Neste sentido, dispunha o art. 22, parágrafo primeiro do mesmo Decreto-Lei n. 147: “Recebendo o processo, por distribuição, o Procurador da Fazenda Nacional examinará detidamente a parte formal e, verificada a inexistência de falhas ou irregularidades que possam infirmar o executivo fiscal, mandará proceder à inscrição da dívida ativa nos registros próprios observadas as normas regimentais e as instruções que venham a ser expedidas pelo Procurador-Geral, extraindo-se, ato contínuo, a certidão que, por ele subscrita, será encaminhada ao competente órgão do Ministério Público, para início da execução judicial”.

Com a edição da Constituição de 1988, a representação judicial da União foi atribuída aos órgãos da Advocacia-Geral da União - AGU (art. 131). Restou, portanto, revogada a parte final do citado art. 22, parágrafo primeiro do Decreto-Lei n. 147.

Segundo a Lei Complementar n. 73, de 1993, a Advocacia-Geral da União – AGU possui dois órgãos com atribuições de representação judicial da União: a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Procuradoria-Geral da União (PGU). Ocorre que a Lei Complementar n. 73, de 1993, convive com o Decreto-Lei n. 147, de 1967, recepcionado com força de lei complementar (art. 131 da Constituição). Neste sentido, com a superação da competência do Ministério Público para representar a União em juízo e a assunção de atribuição desta natureza pela PGFN, a cobrança judicial decorrente da inscrição em dívida ativa, tributária ou não, passa a ser encargo deste último órgão.

Ressalte-se que as competências da PGFN definidas no art. 12 da Lei Complementar n. 73, de 1993, são meramente exemplificativas. Esta conclusão é facilmente obtida a partir da leitura da parte final do caput do mesmo art. 12: “À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:” Assim, são perfeitamente válidas as competências de representação judicial da União na cobrança judicial das dívidas de natureza não-tributária (Decreto-Lei n. 147, de 1967) e dos créditos devidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (Lei n. 8.844, de 1994).

(2) A estimativa mencionada (quinhentos mil) considera o perfil dos créditos em cobrança no mês de novembro de 2005.

(3) Segundo a Lei Complementar n. 73, de 1993, são dois os órgãos de representação judicial da União: a) a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e b) a Procuradoria-Geral da União (PGU). Em texto datado de abril de 2000 afirmei: “A experiência da atual AGU, com dois órgãos de representação judicial da União, apesar de razoavelmente definidas as suas competências, confirma amplamente a inconveniência e a inadequação da dualidade. A superposição de esforços, em inúmeros casos, a dispersão de energias, em outros tantos, o aumento de despesas e os vários conflitos internos gerados (velados e explícitos) são os subprodutos mais visíveis da dualidade hoje posta” (Disponível em: http://www.aldemario.adv.br/proagu.htm). Estes últimos 5 (cinco) anos confirmaram e aprofundaram a percepção inicial.

(4) A referida desorganização decorre de inúmeros fatores. Relacionamos alguns: a) a capilaridade das unidades da Procuradoria-Geral da União (PGU) não é a mesma das unidades da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN); b) a insuficiência do número de Advogados da União; c) os significativos problemas relacionados com a emissão de certidões de regularidade quanto à Dívida Ativa da União e d) a discussão, provocada pelos devedores, sobre a regularidade da representação judicial da União nos processos de execução fiscal de dívidas de natureza não-tributária.

(5) Confira o texto “A Advocacia Pública e a Recuperação de Créditos Públicos Não Pagos” (Disponível em http://www.aldemario.adv.br/advpub.htm).