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BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS ALTERAÇÕES EFETIVADAS NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL PELA LEI COMPLEMENTAR No. 118, DE 2005


Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Mestrando em Direito na Universidade Católica de Brasília
Membro do Conselho Consultivo da APET - Associação Paulista de Estudos Tributários
Ex-Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União
Ex-Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional
Brasília, 12 de fevereiro de 2005


As modificações operadas no Código Tributário Nacional pela Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, estão diretamente relacionadas com a adoção da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005).

O novo regime falimentar extinguiu a figura da concordata e introduziu os expedientes da recuperação extrajudicial e judicial do devedor, termo utilizado para designar o empresário e a sociedade empresária. A recuperação extrajudicial funciona como uma tentativa do devedor equacionar suas dificuldades com os credores sem uma intervenção judicial mais significativa. Já na recuperação judicial, adotada depois de frustrada a recuperação extrajudicial, a intervenção judicial é decisiva. Neste momento, o devedor apresentará um plano de recuperação que será negociado com os credores reunidos em assembléia. A falência, por sua vez, poderá ser demandada: a) pelo próprio devedor; b) pelo cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante; c) pelo cotista ou o acionista do devedor e d) por qualquer credor. Será decretada a falência do devedor que: a) sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência; b) executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à penhora bens suficientes dentro do prazo legal e c) pratica algum dos atos suspeitos previstos em lei, como a liquidação precipitada de seus ativos ou o descumprimento, no prazo estabelecido, de obrigação assumida no plano de recuperação judicial.

Nos debates realizados para definição dos contornos da nova sistemática da falência e procedimentos anteriores, prevaleceu o entendimento de que a recuperação do devedor, com a conseqüente manutenção dos postos de trabalho e da atividade econômica, recomendava modificações significativas em certas prerrogativas do crédito tributário. Para tanto, paralelamente ao projeto de lei ordinária sobre as falências, tramitou no Congresso Nacional um projeto de lei complementar, origem da atual Lei Complementar n. 118, de 2005. Cumpre observar que nas discussões ocorridas em torno das alterações do Código Tributário Nacional terminou prevalecendo uma solução de compromisso. Com efeito, o crédito tributário teria algumas de suas prerrogativas afetadas no futuro processo de falência, mas, em contrapartida, certas definições seriam consagradas para reforço da posição do mesmo crédito fora do âmbito da falência. Este desfecho é claramente percebido na leitura da Lei Complementar n. 118, de 2005.

Inicialmente, a Lei Complementar n. 118, de 2005, estabeleceu importantes exceções à ocorrência da responsabilidade tributária por sucessão empresarial. Segundo o aludido diploma legal, não haverá a responsabilidade em questão na hipótese de alienação judicial: a) em processo de falência e b) de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial. Busca-se, assim, criar e aumentar as condições para recuperação das empresas em dificuldades consideráveis, na linha de raciocínio antes destacada. Afinal, afastada a responsabilidade por sucessão, aumentam as possibilidades de aquisição de bens do devedor falido ou em processo de recuperação judicial, justamente porque o adquirente não se caracteriza como responsável tributário. O produto da alienação realizada pode ser fundamental no processo de soerguimento do devedor.

Nas mudanças operadas pela Lei Complementar n. 118, de 2005, o legislador consignou expressamente que a responsabilidade por sucessão empresarial está caracterizada nas hipóteses de alienação judicial em falência ou recuperação judicial quando o adquirente for: a) sócio da sociedade falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial; b) parente, em linha reta ou colateral até o quarto grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios; ou c) identificado como agente do falido ou do devedor em recuperação judicial com o objetivo de fraudar a sucessão tributária. O objetivo dos comandos legais em questão pode ser facilmente constatado. Com efeito, pretendeu o legislador evitar a utilização indevida dos expedientes de recuperação das atividades econômicas dos devedores, desvirtuados para o incremento do patrimônio de sócios ou parentes do devedor ou para salvaguarda de bens do devedor por intermédio de uma alienação artificial ou aparente.

Ainda entre as novidades da Lei Complementar n. 118, de 2005, encontramos a disposição de que no processo de falência, o produto da alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada permanecerá em conta de depósito à disposição do juízo da falência pelo prazo de um ano, contado da data de alienação. Estes recursos, segundo a referida lei, somente poderão ser utilizados neste intervalo de tempo, para o pagamento de créditos extraconcursais ou de créditos que preferem ao tributário. Entende-se por créditos extraconcursais aqueles decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial, inclusive aqueles relativos a despesas com fornecedores de bens ou serviços e contratos de mútuo.

A Lei Complementar n. 118, de 2005, visando facilitar a recuperação de empresas em dificuldades, estabelece que lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial. Acrescenta, o mesmo diploma legal, que a inexistência da lei específica referida importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei federal específica.

Existe, para os tributos submetidos ao lançamento por homologação, uma forte corrente doutrinária e jurisprudencial que advoga a conjugação dos arts. 150 e 173 do Código Tributário Nacional, o que termina por elevar o prazo para pleitear a restituição para além de dez anos. Com o objetivo de afastar entendimentos desta espécie, a Lei Complementar n. 118, de 2005, estabeleceu que para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o art. 150, parágrafo primeiro do próprio Código. Assim, procura-se, por via legislativa, reafirmar a premissa clássica de contagem do prazo (de cinco anos) para restituição a partir do pagamento indevido, seja ele caracterizado como antecipado ou não.

Agora, interrompem a prescrição tributária (art. 174, parágrafo único do Código Tributário Nacional): a) despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; b) protesto judicial; c) qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e d) qualquer ato (inclusive extrajudicial) que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.

A Lei Complementar n. 118, de 2005, alterou a primeira hipótese de interrupção da prescrição tributária. Anteriormente, a interrupção em questão dependia de "citação pessoal feita ao devedor". Pretendeu-se, assim, afastar prejuízos à Fazenda Pública por meio de expedientes escusos de devedores que dificultam a citação pessoal e superar dissídio jurisprudencial a partir do conflito entre o Código Tributário Nacional e a Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830, de 1980), que possui, no art. 8o., parágrafo segundo, redação praticamente idêntica a agora consagrada no Código.

A Lei Complementar n. 118, de 2005, substituiu a expressão anterior "... como dívida ativa em fase de execução" pela nova e simples "como dívida ativa". Assim, resolve-se, por via legislativa, uma significativa discussão acerca do momento em que a fraude em questão se caracteriza. Agora, não restam dúvidas que basta a inscrição em dívida ativa, não se cogitando da propositura da ação judicial de cobrança do crédito.

A Lei Complementar n. 118, de 2005, introduziu novo artigo no Código Tributário Nacional onde fixa que na hipótese do devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e às entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

A indisponibilidade em questão limita-se ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem o referido limite. Já os órgãos e as entidades aos quais se fizer a comunicação enviarão imediatamente ao juízo a relação discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.

A figura da indisponibilidade consiste na impossibilidade do proprietário do bem ou direito aliená-lo (transferir para outra pessoa) ou onerá-lo (dar em garantia como nas hipóteses de hipoteca ou penhor). Subsiste, no entanto, para o proprietário, a utilização ou posse do bem ou direito e a percepção dos frutos dele advindos. Resta claro que a indisponibilidade funciona como um importante mecanismo de resguardo dos interesses da Fazenda Pública como credora.

A importante inovação da indisponibilidade, por ordem judicial, de bens e direitos, notadamente quando atinge o "mercado bancário" e o "mercado de capitais", representa uma crucial e necessária atualização ou modernização das iniciativas voltadas para a recuperação de créditos públicos não pagos. Com efeito, é inegável a preponderância da "forma financeira" de manifestação e circulação da riqueza, vale dizer, dos patrimônios, nos tempos atuais.

A extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos. A concessão de recuperação judicial também depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos. Como o Código Tributário Nacional faz expressa remissão, neste último caso, aos arts. 151, 205 e 206, conclui-se que a existência de créditos com exigibilidade suspensa não obsta a recuperação judicial, já que fica caracterizada a regularidade fiscal da empresa. Este regramento de comprovação de quitação de tributos no âmbito da falência e da recuperação judicial foi estabelecido pela Lei Complementar n. 118, de 2005.

O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. A explícita preferência dos créditos decorrentes do acidente do trabalho frente aos tributários foi estabelecida pela Lei Complementar n. 118, de 2005.

Na falência, segundo a Lei Complementar n. 118, de 2005: a) o crédito tributário não prefere aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, nos termos da lei falimentar, nem aos créditos com garantia real, no limite do valor do bem gravado; b) a lei poderá estabelecer limites e condições para a preferência dos créditos decorrentes da legislação do trabalho e c) a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados. Ressalte-se que o crédito tributário perdeu prerrogativas, notadamente preferência em relação ao crédito com garantia real, tão-somente no processo de falência. Neste particular, o aludido diploma legal foi adotado com o explícito objetivo, conforme facilmente apurado nos debates parlamentares, de "... assegurar maior probabilidade de recuperação do capital dos credores privados, assim como de dar maior agilidade ao processo falimentar". Fora da falência, o crédito tributário continua preferencial em relação ao crédito com garantia real.

Por força da Lei Complementar n. 118, de 2005, são considerados extraconcursais os créditos tributários decorrentes de fatos geradores ocorridos no curso do processo de falência. Os créditos extraconcursais não integram listas para rateio, o que significa prioridade máxima de recebimento.

A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concursos de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. Assim, a Fazenda Pública não precisa realizar o ato de habilitação de seus créditos nos concursos referidos. A menção a "recuperação judicial" foi introduzida pela Lei Complementar n. 118, de 2005.

As modificações introduzidas no Código Tributário Nacional pela Lei Complementar n. 118, de 9 de fevereiro de 2005, conforme seu art. 4o., somente entrarão em vigor 120 (cento e vinte) dias depois da publicação da lei. Trata-se de vacatio legis idêntica a da nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005), consoante o art. 201 desta última. Registre-se que as duas leis foram publicadas em edição extra do Diário Oficial da União do dia 9 de fevereiro de 2005.