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RECEITA FEDERAL DO BRASIL: FORTALECIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA UNIÃO? - PARTE II
Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Professor da Universidade Católica de Brasília
Professor da Faculdade Projeção
Mestrando em Direito na Universidade Católica de Brasília
Membro do Conselho Consultivo da APET - Associação Paulista de Estudos Tributários
Ex-Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União
Ex-Procurador-Geral Adjunto da Fazenda Nacional
Brasília, 25 de setembro de 2005
No dia 24 de julho de 2005, em texto denominado RECEITA FEDERAL DO BRASIL: FORTALECIMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA UNIÃO? (http://www.aldemario.adv.br/recfedbra.htm), registrei:
"Foi publicada no dia 22 de julho de 2005 a Medida Provisória n. 258, de 21 de julho de 2005, que cria, como órgão do Ministério da Fazenda, a Receita Federal do Brasil (a denominada, pela imprensa, 'Super-Receita'). A medida adotada pelo Governo centraliza a arrecadação, fiscalização, administração, lançamento e normatização das chamadas 'contribuições previdenciárias'.
A decisão governamental de reorganizar a Administração Tributária da União pode ter duas motivações principais: (a) fortalecer a Administração Tributária ou (b) unificar o 'caixa' tributário com significativas repercussões sobre o financiamento da Seguridade Social e a administração do superávit primário. Pode, ainda, ser uma combinação dos dois motivos aludidos.
Indaga-se, então, até que ponto a pretensão governamental é de fortalecer a Administração Tributária? As perspectivas, a partir da leitura da própria Medida Provisória n. 258/2005 e do comportamento recente das autoridades federais, não são as melhores. (...)
Acreditamos que a clara identificação dos objetivos da medida e as perspectivas para a nova estruturação da Administração Tributária da União ocorrerão a partir de providências a serem adotadas (ou não) em curto intervalo de tempo. Será preciso observar com muito cuidado as seguintes questões: a) criação da carreira de apoio administrativo para a PGFN; b) redefinição da estrutura organizacional da Receita Federal do Brasil e da PGFN e c) definição dos orçamentos da Receita Federal do Brasil e da PGFN para 2006 (envolvendo decisões sobre alocação de espaço físico, treinamentos, equipamentos, etc)."
Hoje, dia 25 de setembro de 2005, vivemos, em relação à Receita Federal do Brasil, um momento singular.
Primeiro, já é possível realizar um balanço provisório em relação às três questões destacadas.
a) Criação da carreira de apoio administrativo na PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Não foi definida na Medida Provisória e não se tem sequer notícia acerca do encaminhamento deste importante tema.
b) Redefinição da estrutura organizacional da PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O Decreto n. 5.510, de 12 de agosto de 2005, fixou a nova estrutura do Ministério da Fazenda (da PGFN e da Receita Federal do Brasil). Cotejadas as novas com as antigas estruturas da PGFN (definidas pelo Decreto n. 5.136, de 7 de julho de 2004), constatamos mais uma demonstração de insensibilidade governamental. Com efeito, na PGFN, a estrutura do órgão central manteve-se idêntica. A estrutura das unidades regionais e estaduais manteve-se inalterada. O número de unidades seccionais foi aumentado de 67 para 122. A rigor, houve uma redução na estrutura das seccionais. Antes tínhamos 62 Procuradores-Seccionais (DAS 1), 62 Chefes de Serviço (DAS 1) e 37 FG-3. Agora, temos 122 Procuradores-Seccionais (DAS 1), 122 Chefes de Serviço (DAS 1) e os mesmos 37 FG-3. Uma estrutura deste porte é ridícula para a maioria das seccionais (notadamente as de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina).
A PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional já padecia de uma estrutura bastante inferior às suas necessidades (não houve aumento significativo da estrutura com a representação judicial definida pela Constituição de 1988). Agora, com o (enorme) aumento das atividades decorrentes da criação da Receita Federal do Brasil, a distância entre a estrutura do órgão e o volume das atribuições a serem desempenhadas aponta para a convivência mais intensa e freqüente com situações dramáticas, para dizer o mínimo.
c) Definição do orçamento da PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para 2006. Eis os números oficiais da proposta orçamentária para 2006 enviada ao Congresso Nacional no último dia 31 de agosto de 2005 comparados com os valores do orçamento para o ano em curso (dados obtidos no site do Ministério do Planejamento - http://www.planejamento.gov.br):
Outras Despesas Correntes (não envolve pessoal):
2005: R$ 74,49 milhões
2006: R$ 74,55 milhões
Investimentos (equipamentos, instalações, material permanente):
2005: R$ 13,26 milhões
2006: R$ 15,00 milhões
Inversões Financeiras (aquisição de imóveis):
2005: R$ 6,1 milhões
2006: R$ 0,0 milhões
Orçamento total (sem pessoal):
2005: R$ 93,85 milhões
2006: R$ 89,55 milhões
Provimento de cargos vagos ou criados na área jurídica:
2005: até 989
2006: até 703
Em resumo, o orçamento de custeio/investimento/inversões da PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para 2006 é menor do que o atual (2005). Indaga-se: como serão instaladas as novas 60 (sessenta) seccionais? Ademais, o orçamento para 2006 prevê o preenchimento de 703 cargos na área jurídica. Considerando que este número será repartido entre Procuradores da Fazenda Nacional, Advogados da União, Procuradores Federais e Defensores Públicos, quantos PFNs, dos 1.200 (mil e duzentos) cargos criados pela MP n. 258, ingressarão na PGFN em 2006?
Segundo, já foi possível vislumbrar a dimensão quantitativa da montanha de atribuições novas definidas para serem exercidas pela PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. É perfeitamente possível afirmar, sem medo de errar: na maioria das unidades estaduais e seccionais da PGFN é humanamente impossível, com os recursos humanos e materiais existentes e "prometidos", exercer as novas competências afetas ao órgão (1).
Vive-se, nestes dias (até o final do mês de novembro), a expectativa em torno da conversão da MP n. 258 em Lei. Aguarda-se, com um misto de ansiedade e revolta, a "solução" que o Parlamento desenhará entre: a) lotação ou exercício de Procuradores Federais na PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou b) dispensa de atuação dos Procuradores da Fazenda Nacional em processos trabalhistas com condenação ou acordo abaixo de R$ 10 (dez) mil (2).
O momento atual em relação à MP n. 258 demonstra, com toda veemência, o estilo administrativo do atual (des)Governo Federal. Suas marcas mais salientes são: o açodamento, a falta de planejamento, o amadorismo, a ausência de transparência, a falta de diálogo com os setores organizados da sociedade civil, a insensibilidade e o profundo desprezo pelo interesse público.
NOTAS:
(1) Relatos de Procuradores da Fazenda Nacional acerca da situação gerada em várias unidades da PGFN depois da adoção da MP n. 258:
"Eis a situação da PFN no estado do Pará: Total de Procuradores: nove, incluindo o Procurador-Chefe e o Procurador-Seccional de Marabá. Total de varas trabalhistas: 37, sendo 16 na capital e as demais no interior, inclusive na Ilha de Marajó. Há ainda o TRT. Ah, tem mais um "detalhe": por ordem do Corregedor daqui, apenas procuradores e estagiários inscritos na OAB podem fazer carga dos autos!"
"Também gostaria de me "intrometer" um pouco: trabalho na Seccional de Osasco e estamos vivenciando um verdadeiro caos. São 19 Varas Trabalhistas, localizadas na Grande São Paulo, onde, é notório, concentra-se um imenso contingente de trabalhadores, já que Osasco, Barueri, Cotia, Taboão da Serra, entre outras de nossa atribuição, configura-se como área industrial. Pois bem. O número de reclamações trabalhistas que cada Procurador tem recebido para manifestação, em alguns casos, tem sido superior ao de execuções fiscais; não sabemos fazer os cálculos; para tanto, foram designados dois auditores previdenciários para nos ensinar (proeza conseguida graças à "lábia" do Dr. José Roberto, nosso Seccional). No entanto, eles não foram dispensados de suas atribuições na Receita Federal do Brasil: assim, temos à nossa disposição, apenas um auditor por dia, durante no máximo 4 horas, para atender às dúvidas de 12 Procuradores, com processos de 19 juízes diferentes (cada um pensa de uma forma), para nos ensinar o que se considera base de cálculo no processo trabalhista, como identificá-la, qual a alíquota aplicável, pesquisar o tipo de pessoa jurídica que trata o processso, entre outros detalhes. O pior de tudo isso é que, como já sabemos de nossa experiência com a Receita Federal, os auditores não possuem conhecimentos processuais e jurídicos acerca do que podemos ou não fazer em termos de pedido, respeito à cosia julgada, etc. Por outro lado, não temos conhecimentos contábeis para verificar o porquê daquele cálculo para eles, basta o que estiver escrito na "Instrução Normativa", ou na "Portaria do Ministro" para justificar a identificação da base de cálculo e da aplicação da alíquota, instrumentos estes que, sabemos, se utilizarmos como fundamentação, será muito fácil para os advogados das partes rebaterem. Olha, tá uma "briga de foice no escuro". As dúvidas estão brotando sem que haja qualquer tipo de orientação. As peças enviadas pela Geral, de fato, ajudaram, mas há ainda muito mais dentro da reclamação trabalhista do que apenas recursos ordinários e agravos de petição."
"Sua Excelência prenuncia a vindo do caos. Sinto informar que a prenunciação está atrasada, há lugares onde já se vive hoje situação caótica. Explico: Sou Procurador-Seccional em Marabá-PA, terceira maior cidade do Estado do Pará, numa região que abrange 39 comarcas e é maior, em extensão territorial, que a maioria dos Estados brasileiros. A distância das comarcas torna irrefutáveis alguns argumentos normalmente lançados pelos contribuintes, como o seguinte: "Doutor, o senhor precisa resolver meu problema. Estou vindo de Santana do Araguaia. São 600 (seiscentos) quilômetros de estrada esburacada." Não há como desconsiderar. Pois bem. Ocorre que aqui sou o único Procurador em exercício e a Procuradoria não possui nenhum servidor de apoio. Conto apenas com um servidor comissionado, o Chefe de Serviço, e duas pessoas terceirizadas, uma com salário pouco superior a R$ 500,00 e outra com salário próximo do mínimo, que já manifestou, com todas as razões possíveis, o desejo de ser substituída. A dedicação desses colaboradores, que fazem muito mais do que se lhes poderia razoavelmente exigir, principalmente o Sr. Chefe de Serviço (que chefia, literalmente, só mesmo o serviço, por falta de quem chefiar), é que vinha propiciando o funcionamento da Procuradoria, embora no limite da capacidade. Isso antes das competências deferidas pela MP 258. Neste mês de setembro instalou-se aqui o caos: o Sr. Chefe de Serviço está em merecidas férias (que já tinham sido adiadas e remarcadas por necessidade do serviço); encontro-me, portanto, sozinho com as terceirizadas e os incontáveis processos de todas as origens: da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho, das Comarcas, administrativos, inclusive da Coordenação Disciplinar, participando que estou do mutirão. Tenho recebido diariamente notificações da Justiça do Trabalho, acompanhadas e desacompanhadas dos autos, determinando manifestação no prazo de 20, 10 e até de 05 dias. Algumas têm me provocado riso compulsivo melancólico, como a que recebi agora a pouco, com o seguinte mandamento: "Para tomar ciência de documentos exarados nos autos" (sic). Autos estes que não acompanhavam a notificação. Confesso que estou impossibilitado de exercer na plenitude as competências a mim outorgadas pela Constituição Federal e pela legislação própria, de bem representar, judicial e extrajudicialmente, os interesses do Estado Brasileiro, por absoluta ausência de condições mínimas estruturais decorrente da inércia e omissão dos sucessivos Governos. Nem mesmo este breve relato pude fazer a contento, talvez esteja até ininteligível, em razão das inúmeras interrupções... A outra Seccional aqui do Pará, de Santarém, com situação muito semelhante, quiçá pior que a vivenciada por mim, encontra-se hoje sem nenhum Procurador em exercício (já que nosso colega que lá estava tomou posse em cargo estadual mais bem remunerado e certamente com estrutura não comparável com a que temos), sobrecarregando os Procuradores de Belém, que deviam ser promovidos a super-heróis. Em conclusão: não estou cumprindo o compromisso firmado comigo mesmo de defender os interesses do Estado (e não do Governo) de forma eficiente e com a qualidade que sempre me exigi, e isto me deixa extremamente desconfortável... Perdoem-me pelo desabafo."
"Tudo o que passamos agora demonstra, a meu ver e para a minha enorme decepção, a absoluta falta de planejamento e de cuidado dos nossos quadros superiores para lidar com essa matéria. Ao que tudo indica, ninguém se dignou a buscar as informações e estatísticas pertinentes antes de trazer à PGFN as novas atribuições que nos foram destinadas pela MP258. Pergunto: alguém tinha idéia de que em Campinas, por exemplo, sede de TRT, a Procuradoria do INSS era intimada em uma média de 400 processos por mês em cada Vara Trabalhista, e mais 800 processos mensais no Tribunal? Destaque-se que são 12 Varas do Trabalho em Campinas e mais 18 nas comarcas abrangidas por nossa seccional. Em resumo, houve aqui um aumento da carga de trabalho de, em média, 12.000 processos mensais. É uma carga invencível, especialmente em um órgão onde os 15 PFN?s atuantes esperávamos ansiosamente pelos novos colegas, para poder enfim fazer um trabalho mais detalhado nas execuções fiscais que se encontram sob nossa responsabilidade. No que hoje se pode chamar de ?bons tempos?, atuávamos, cada um, em média em 500 processos de execução fiscal e respectivos embargos por mês, além da atuação na área da defesa, que todos dividimos."
(2) A solução da "dispensa de atuação dos Procuradores da Fazenda Nacional em processos trabalhistas com condenação ou acordo abaixo de R$ 10 (dez) mil" "resolve" o problema da atuação na avalanche de processos que chegaram e chegarão nas unidades estaduais e seccionais da PGFN - Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Ocorre que o "efeito colateral" afronta o interesse público por suprimir o acompanhamento e controle sobre a imensa maioria dos processos judiciais em que são devidas contribuições previdenciárias
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