O PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL

 

Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Coordenador-Geral da Dívida Ativa da União
Maceió, 9 de outubro de 1999

 

Por intermédio da Medida Provisória no 1.923, de 6 de outubro do corrente, foi instituído, com ampla divulgação pela imprensa, o "Programa de Recuperação Fiscal" – REFIS, destinado a promover a regularização de créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições, administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, em razão de fatos geradores ocorridos até 31 de agosto de 1999, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive os decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos, conforme estabelece o art. 1o do diploma legal em comento.

Para administrar o programa, com competência para implementar os procedimentos necessários à sua execução, será constituído um Comitê Gestor com a presença da Secretaria da Receita Federal, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – PGFN e do Instituto Nacional do Seguro Social.

O ingresso no REFIS dar-se-á por opção da pessoa jurídica, até o último dia útil do mês de dezembro de 1999, que fará jus a regime especial de consolidação e parcelamento de todos os débitos fiscais existentes em seu nome. O parcelamento especial do REFIS, incompatível com qualquer outra forma de parcelamento de débitos fiscais, será pago em parcelas mensais e sucessivas, vencíveis no último dia útil de cada mês, sendo o valor de cada parcela determinado em função de percentual, não inferior a dois por cento, da receita bruta do mês imediatamente anterior. O único acréscimo incidente sobre o débito consolidado serão juros correspondentes à variação mensal da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

A espinha dorsal do REFIS – o parcelamento baseado no faturamento/receita bruta – consiste em idéia apresentada pela PGFN nos primórdios do "Projeto Grandes Devedores" (1), ainda no ano de 1998, como mecanismo hábil e realista para viabilizar a regularização dos passivos fiscais das empresas.

A opção pelo REFIS sujeita a pessoa jurídica: a) confissão irrevogável e irretratável dos débitos abrangidos pelo programa; b) autorização de acesso irrestrito, pela SRF, às informações relativas à sua movimentação financeira; c) acompanhamento fiscal específico, com fornecimento periódico, em meio magnético, de dados, inclusive os indiciários de receitas; d) adoção automática do regime de tributação com base no lucro presumido, menos para as pessoas jurídicas isentas do imposto de renda e para as microempresas e empresas de pequeno porte optante pelo SIMPLES; e) cumprimento regular das obrigações para com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e f) pagamento regular das parcelas do débito consolidado, bem assim dos tributos e das contribuições decorrentes de fatos geradores ocorridos posteriormente a 31 de agosto de 1999.

A homologação da opção fica condicionada à prestação de garantia, nela incluídos os depósitos efetuados em garantia nas ações de execução fiscal. A garantia, quando prestada com bens integrantes do patrimônio da optante ou de seus sócios ou titular, será acompanhada de arrolamento, na forma do art. 64 da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997.

A pessoa jurídica optante pelo REFIS será dele excluída nas seguintes hipóteses: a) inobservância de exigências decorrentes da opção pelo programa; b) inadimplência, por três meses consecutivos ou não, relativamente a qualquer dos tributos e das contribuições abrangidos pelo REFIS, inclusive os decorrentes de fatos geradores ocorridos posteriormente a 31 de agosto de 1999; c) constatação, caracterizada por lançamento de ofício, de débito correspondente a tributo ou contribuição abrangido pelo REFIS e não incluído na confissão exigida da empresa, salvo se integralmente pago no prazo de trinta dias, contado da ciência do lançamento; d) compensação ou utilização indevida de créditos, prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa; e) decretação de falência, extinção, pela liquidação, ou cisão da pessoa jurídica; f) concessão de medida cautelar fiscal; g) prática de qualquer procedimento tendente a subtrair receita da optante, mediante simulação de ato e h) declaração de inaptidão da inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ.

A exclusão da pessoa jurídica do REFIS implicará exigibilidade imediata da totalidade do crédito confessado e ainda não pago e automática execução da garantia prestada, restabelecendo-se, em relação ao montante não pago, os acréscimos legais na forma da legislação aplicável à época da ocorrência dos respectivos fatos geradores.

O Poder Executivo editará as normas regulamentares necessárias à execução do REFIS, especialmente em relação: a) às formas e aos limites da garantia a ser prestada; b) à fixação do percentual da receita bruta a ser utilizado para determinação das parcelas mensais, que poderá ser diferenciado em função da atividade econômica desenvolvida pela pessoa jurídica; c) às formas de homologação da opção e de exclusão da pessoa jurídica do REFIS, bem assim às suas conseqüências; d) à forma de realização do acompanhamento fiscal específico e e) às exigências para fins de liquidação. A regulamentação do REFIS dispensará às microempresas e às empresas de pequeno porte tratamento preferencial, inclusive mediante a fixação do percentual de receita bruta comprometida em seu nível mínimo.

Trata-se, pois, em que pese a exclusão de débitos de órgãos da administração pública direta, das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e das autarquias, de uma iniciativa inédita, pela envergadura e criatividade em buscar soluções flexíveis, sintonizadas com as dificuldades vivenciadas por vários setores econômicos, para um passivo fiscal que supera a casa dos duzentos bilhões de reais.

É importante destacar que certos aspectos da política econômica, notadamente a elevação das taxas de juros, trabalharam para construir dívidas altíssimas. Nesta linha, não podem ser creditadas as dificuldades de pagamento tão somente a má condução dos negócios empresariais.

Por outro lado, a ausência de soluções práticas e flexíveis para regularização de débitos em atraso funciona como estímulo para o aparecimento das mais variadas aventuras de conseqüências imprevisíveis para o Erário. Exemplo típico destas tentativas de contornar, com surpreendente e suspeita facilidade, os óbices impostos pela existência de um passivo fiscal significativo estão nas apólices da dívida pública emitidas no início do século. A discussão (2) em torno de tais papéis atinge cifras entre quatro e sessenta e cinco bilhões de reais, segundo cálculos realizados pelos mais variados critérios.

Ademais, as propostas de flexibilização ou regularização de débitos devem ser muito bem dimensionadas para não sinalizarem uma certa frouxidão do Poder Público nas ações de cobrança das dívidas existentes. Também não pode ser dada a impressão de que a política de recuperação de créditos assenta-se em mecanismos periódicos de facilitação da vida dos devedores, em detrimento do bom e regular pagador das exações impostas pelo Estado.

Parece-nos que o REFIS não padece de qualquer destes males. Surgiu no momento adequado, consiste num programa razoável e viável para a iniciativa privada e não transmite a idéia de "socorros" periódicos, indevidos e excessivos para os devedores. Terá, ainda, um importante papel na manutenção e ampliação dos postos de trabalho nesta delicada quadra econômica porque passa a Nação brasileira.

 

NOTAS:

 

(1) Art. 68 da Lei no 9.532, de 10 de dezembro de 1997, e Portaria MF no 29, de 17 de fevereiro de 1998.

(2) O embate judicial em torno das apólices da dívida pública emitidas no início do século encontra-se num momento nitidamente favorável à Fazenda Pública. Decisões recentemente divulgadas e contrárias à validade dos papéis podem ser encontradas no seguinte endereço na internet: http://www.aldemario.adv.br/assuntos.htm. São manifestações monocráticas no âmbito do STJ, sentenças de juízes federais e acórdãos em agravos de instrumentos decididos pelo TRF da 3ª Região.