VOTO


Assunto: Remoções dos Membros da AGU (Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional). Definições básicas.

Na reunião de 26 de março de 2003, o colegiado deliberou pela necessidade de fixar algumas premissas básicas como preliminares à discussão de um regulamento de remoções dos Membros da AGU (Advogados da União e Procuradores da Fazenda Nacional). Na ocasião, o representante eleito dos Procuradores da Fazenda Nacional foi designado relator da matéria.

É, em apertada síntese, o relatório.

As premissas básicas a serem definidas para viabilizar a discussão mais racional e objetiva de um regulamento de remoções são as seguintes:

(a) autoridade ou órgão competente para regulamentar a matéria;

(b) abrangência "objetiva" da regulamentação, ou seja, envolve as remoções "a pedido" e as remoções "de ofício" ou apenas uma delas?;

(c) abrangência "subjetiva" da regulamentação, ou seja, envolve os Advogados da União e os Procuradores da Fazenda Nacional ou apenas uma das categorias? Neste campo, deve ser ainda ponderado se a regulamentação não teria sedes distintas (AGU e Ministério da Fazenda) para as duas categorias envolvidas;

(d) autoridade ou órgão competente para a prática do ato administrativo concreto de remoção.

Autoridade ou órgão competente para regulamentar a matéria. A Lei Complementar no 73, de 1993, não elenca expressamente, entre as atribuições do Advogado-Geral da União, a regulamentação das remoções dos Membros da instituição (art. 4o). Por outro lado, o mesmo diploma legal, ao fixar as competência do Conselho Superior da AGU, estabelece que o órgão colegiado organizará as listas de promoção e de remoção (art. 7o, inciso II).

Assim, na ausência de regra explícita acerca da competência para regulamentar o instituto da remoção para os Membros da AGU, impõe-se, para o intérprete, um delicado trabalho de, numa análise sistemática da Lei Complementar no 73, de 1993, encontrar ou explicitar a regra de competência para o caso em debate.

O primeiro e mais óbvio caminho a ser trilhado deriva ou decorre da premissa de que estamos tratando de uma das várias atividades ou ações de organização dos serviços administrativos. Neste diapasão, à mingua de norma expressa em sentido contrário, residiria naturalmente no dirigente máximo da instituição a competência para regular as remoções dos Membros da AGU. A competência em questão seria um mero desdobramento do disposto nos incisos I e XVIII do art. 1o da Lei Complementar no 73, de 1993.

Entretanto, como registramos alhures, é importante salientar uma distinção importante realizada pelo legislador complementar (art. 1o, inciso XVII da Lei Complementar no 73, de 1993, entre outros dispositivos). Na Advocacia-Geral da União, temos Membros efetivos, mais precisamente Procuradores da Fazenda Nacional e Advogados da União, incumbidos das atividades-fim, e servidores, responsáveis pelas atividades-meio da instituição. A diferenciação destacada serve, inclusive, para confirmar a existência de certas garantias estabelecidas pelo legislador para o exercício independente dos cargos efetivos da Advocacia Pública da União. Não foi por outra razão que aspectos cruciais da vida funcional dos Membros da Advocacia-Geral da União foram afetados a um órgão colegiado, o Conselho Superior, onde estão representadas as carreiras da instituição.

Como Membros da instituição Advocacia-Geral da União, aqui vista como um sistema de órgãos e agentes públicos responsáveis pelo exercício da Advocacia Pública da União, os integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União gozam de certas prerrogativas, como afirmamos, para garantia de isenção no exercício de suas atribuições. É justamente por esta razão que existe o Conselho Superior. É justamente por este motivo que existem aspectos da vida funcional dos integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União que não são tratados de forma idêntica as dos demais servidores, notadamente os servidores de apoio administrativo da própria instituição. Estes aspectos são justamente os concursos, as promoções, as remoções e as habilitações em estágio confirmatório.

Esta última ordem de considerações, afastando o trato de inúmeros aspectos da vida funcional dos Membros da AGU da inserção, pura e simples, na organização tradicional dos serviços administrativos, permite a conclusão de que a regulamentação das remoções destes servidores, como garantia do exercício isento de suas atribuições, como forma objetiva de afastamento de possíveis favorecimentos ou perseguições, está inserida no rol das competências do Conselho Superior da AGU.

Impõe-se a conclusão de que o legislador, ao redigir o art. 7o, inciso II da Lei Complementar no 73, de 1993, disse menos do que queria, cabendo, portanto, uma interpretação extensiva e corretiva da letra fria e direta da lei. A afirmação ganha substância na medida em que: (a) não há competência explícita sobre o assunto deferida a outro órgão ou autoridade; (b) o legislador distinguiu expressamente o tratamento administrativo a ser dispensado aos Membros da AGU e aos demais servidores do órgão e (c) criou, com a presença de representantes eleitos dos Membros da instituição, um órgão colegiado como fórum natural de deliberação sobre ações administrativas sensíveis para o exercício das atribuições institucionais das carreiras mencionadas.

Abrangência "objetiva" da regulamentação. Cumpre destacar que a regulamentação a ser expedida pelo Conselho Superior da AGU para as remoções do Membros da instituição são aplicáveis tanto para as remoções "a pedido" como para as remoções "de ofício". A uma, porque o legislador complementar tratou das remoções, sem qualificá-las. Assim, não seria lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não o fez. A duas, porque as remoções estão inseridas entre as matérias ou ocorrências administrativas protegidas em razão do exercício funcional, que se espera isento, por parte dos Membros das carreiras da Advocacia-Geral da União. Ademais, a Administração Pública precisa prover os órgãos públicos com a força de trabalho necessária para seu adequado funcionamento. Em princípio, na medida em que todos são aptos, eis que aprovados em concursos públicos de provas e títulos, não se justifica a escolha pessoal de agentes públicos, com a finalidade de prestigiar ou depreciar, para ocupar cargos vagos nesta ou naquela unidade integrante do sistema da Advocacia Pública da União.

Admite-se, no entanto, para estrita realização do interesse público e melhor organização do serviço, a efetivação de remoções "de ofício" envolvendo escolhas pessoais em circunstâncias muito específicas. Figuremos, em outras, as seguintes hipóteses: (a) para o exercício de cargo comissionado; (b) para prover certa área de atuação funcional de servidor especializado no trato de determinado assunto e (c) por ausência crítica de um mínimo de força de trabalho numa determinada unidade. Estes casos devem estar expressamente previstos na regulamentação e a sua realização demanda, necessariamente, a explicitação dos motivos da escolha de um certo Membro da instituição.

Abrangência "subjetiva" da regulamentação. A dificuldade básica neste ponto reside na singularidade da posição institucional da carreira dos Procuradores da Fazenda Nacional.

Parece não subsistir dúvida quanto à premissa de que os Procuradores da Fazenda Nacional são servidores localizados administrativamente no Ministério da Fazenda. Com efeito, os cargos de Procurador da Fazenda Nacional foram criados e existem nas várias unidades da PGFN, órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda (Portaria MF no 86, de 22 de março de 2000 e Portaria PGFN no 561, de 26 de outubro de 2001). Nesta linha de raciocínio, notadamente em função do poder hierárquico, típico da função administrativa, encontraríamos nas autoridades fazendárias as competências próprias para administrar a força de trabalho representada pelo conjunto dos Procuradores da Fazenda Nacional. Em princípio, para estes últimos, os atos de localização nos vários órgãos do Ministério da Fazenda, as promoções, a aplicação de punições disciplinares, a organização dos concursos para ingresso na carreira, entre outros atos administrativos relevantes, deveriam ser praticados no âmbito do Ministério da Fazenda. O art. 12, caput da Lei Complementar no 73, de 1993, ao utilizar, para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a expressão "órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda", aponta justamente neste sentido.

Ocorre, como frisamos, que os Procuradores da Fazenda Nacional, como carreira de agentes públicos, apresentam, por força da Lei Complementar no 73, de 1993, uma singularidade. Ao mesmo tempo em que são servidores do Ministério da Fazenda são Membros da Advocacia-Geral da União (art. 20 da Lei Complementar no 73, de 1993). Como Membros da instituição Advocacia-Geral da União, aqui vista como um sistema de órgãos e agentes públicos responsáveis pelo exercício da Advocacia Pública da União, os integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União gozam de certas prerrogativas, como afirmamos, para garantia de isenção no exercício de suas atribuições. É justamente por esta razão que existe o Conselho Superior. É justamente por este motivo que existem aspectos da vida funcional dos integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União que não são tratados de forma idêntica as dos demais servidores, notadamente os servidores de apoio administrativo da própria instituição. Estes aspectos são justamente os concursos, as promoções, as remoções e as habilitações em estágio confirmatório.

Assim, a vinculação dos Procuradores da Fazenda Nacional ao Ministério da Fazenda e suas autoridades não é total, completa ou integral. Identificamos, neste particular, uma vinculação mitigada ou limitada. Esta conclusão decorre das regras explícitas inseridas na Lei Complementar no 73, de 1993.

Não seria razoável argumentar de forma isolada (ou absoluta) com o art. 12 da Lei Complementar no 73, de 1993. Afinal, este dispositivo convive, no mesmo diploma complementar, com os arts. 7o, 20, 23, 24 e 25. Em outras palavras, pela via da interpretação não seria possível negar eficácia aos comandos postos pelo legislador, mesmo para prestigiar outra regra de mesma estatura das afastadas. Neste sentido, teríamos uma situação absolutamente surrealista se vingasse a tese da pura e simples subordinação administrativa dos Procuradores da Fazenda Nacional ao Ministério da Fazenda. A carreira de Advogado da União teria um tratamento institucional das remoções, raciocínio perfeitamente extensível aos outros aspectos da vida funcional já referidos, a partir de um órgão colegiado em que a carreiras têm representação, enquanto os Procuradores da Fazenda Nacional dependeriam da decisão monocrática do Ministro da Fazenda. Dificuldade adicional, no contexto desenhado, seria justificar a presença da representação eleita dos Procuradores da Fazenda Nacional no Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.

Devemos, portanto, para evitar as incongruências postas, caminhar em rumo diverso. A convivência normativa referida encontra guarida no princípio ou critério da especialidade. Com efeito, é possível solucionar o virtual impasse (antinomia aparente) conferindo primazia à lex specialis, que impedirá a incidência da regra geral nas matérias expressamente ressalvadas ou tratadas, resguardando a eficácia e a aplicabilidade da regra geral para os demais casos não abrangidos nas exceções.

Podemos, então, concluir, neste particular, considerando os argumentos postos, que não subsiste competência para as autoridades do Ministério da Fazenda tratarem de remoções dos Procuradores da Fazenda Nacional, residindo aquela no Conselho Superior da Advocacia-Geral da União, conforme os elementos anteriormente apresentados.

Autoridade ou órgão competente para a prática do ato administrativo concreto de remoção. Neste particular, depois de definidas as competências do Conselho Superior da AGU para regulamentar as remoções dos Membros da instituição e para organizar as listas próprias, deve ser buscada pela via hierárquica pertinente, dependente da organização administrativa a que está vinculado o Membro da AGU, a identificação da autoridade responsável pela prática do ato administrativo concreto de remoção.

Conclusões:

Para os limites deste pronunciamento, relacionado com as definições básicas preliminares a confecção de um regulamento de remoções para os Membros da AGU, concluímos que:

(a) o Conselho Superior da AGU é competente para regulamentar as remoções dos Membros da instituição;

(b) a regulamentação das remoções envolve as duas formas possíveis: "a pedido" e "de ofício", sem prejuízo da fixação de hipóteses específicas de remoção "de ofício" no estrito interesse da Administração;

(c) a regulamentação das remoções envolve os Advogados da União e os Procuradores da Fazenda Nacional;

(d) a competência para o ato administrativo concreto de remoção dos Membros da AGU, identificada pela via hierárquica, depende da organização administrativa do órgão de lotação.


Brasília, 17 de abril de 2003.


Aldemario Araujo Castro

Procurador da Fazenda Nacional

Membro eleito do Conselho Superior da AGU