VOTO
Na reunião do dia 6 de junho de 2002, o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União (art. 7o. da Lei Complementar n. 73, de 1993) atribuiu a Dra. Ana Valéria de Andrade Rabêlo, Corregedora-Geral da Advocacia da União, a incumbência de opinar acerca de quem é o titular da competência para efetivar remoções de Procuradores da Fazenda Nacional.
Vejamos, para viabilizar uma conclusão, o quadro normativo regente da matéria:
"Art. 7º - O Conselho Superior da Advocacia-Geral da União tem as seguintes atribuições:
I - propor, organizar e dirigir os concursos de ingresso nas Carreiras da Advocacia-Geral da União;
II - organizar as listas de promoção e de remoção, julgar reclamações e recursos contra a inclusão, exclusão e classificação em tais listas, e encaminhá-las ao Advogado-Geral da União;
III - decidir, com base no parecer previsto no art. 5º, inciso V desta Lei Complementar, sobre a confirmação no cargo ou exoneração dos Membros das Carreiras da Advocacia-Geral da União submetidos à estágio confirmatório;
IV - editar o respectivo Regimento Interno.
Parágrafo único. Os critérios disciplinadores dos concursos a que se refere o inciso I deste artigo são integralmente fixados pelo Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.
(...)
Art. 12 - À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:
(...)
Art. 20. As carreiras de Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional e de Assistente Jurídico compõem-se dos seguintes cargos efetivos:
I - carreira de Advogado da União:
a) Advogado da União da 2a. Categoria (inicial);
b) Advogado da União de 1a. Categoria (intermediária);
c) Advogado da União de Categoria Especial (final);
II - carreira de Procurador da Fazenda Nacional:
a) Procurador da Fazenda Nacional de 2a. Categoria (inicial);
b) Procurador da Fazenda Nacional de 1a. Categoria (intermediária);
c) Procurador da Fazenda Nacional de Categoria Especial (final);
III - carreira de Assistente Jurídico:
a) Assistente Jurídico de 2a. Categoria (inicial);
b) Assistente Jurídico de 1a. Categoria (intermediária);
c) Assistente Jurídico de Categoria Especial (final).
(...)
Art. 23. Os membros efetivos da Advocacia-Geral da União são lotados e distribuídos pelo Advogado-Geral da União.
Parágrafo único. A lotação de Assistente Jurídico nos Ministérios, na Secretaria-Geral e nas demais Secretarias da Presidência da República e no Estado-Maior das Forças Armadas é proposta por seus titulares, e a lotação e distribuição de Procuradores da Fazenda Nacional, pelo respectivo titular.
Art. 24. A promoção de membro efetivo da Advocacia-Geral da União consiste em seu acesso à categoria imediatamente superior àquela em que se encontra.
Parágrafo único. As promoções serão processadas semestralmente pelo Conselho Superior da Advocacia-Geral da União, para vagas ocorridas até 30 de junho e até 31 de dezembro de cada ano, obedecidos, alternadamente, os critérios de antigüidade e merecimento.
Art. 25. A promoção por merecimento deve obedecer a critérios objetivos, fixados pelo Conselho Superior da Advocacia-Geral da União, dentre os quais a presteza e a segurança no desempenho da função, bem como a freqüência e o aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento reconhecidos por órgãos oficiais." (Lei Complementar n. 73, de 1993)
"Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por
modalidades de remoção: (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
I - de ofício, no interesse da Administração; (Inciso incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
II - a pedido, a critério da Administração; (Inciso incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
III - a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração: (Inciso incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
a) para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administração; (Alínea incluída pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
b) por motivo de saúde do servidor, cônjuge, companheiro ou dependente que viva às suas expensas e conste do seu assentamento funcional, condicionada à comprovação por junta médica oficial; (Alínea incluída pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
c) em virtude de processo seletivo promovido, na hipótese em que o número de interessados for superior ao número de vagas, de acordo com normas preestabelecidas pelo órgão ou entidade em que aqueles estejam lotados.(Alínea incluída pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)" (Lei n. 8.112, de 1990)
A dificuldade básica para responder ao questionamento posto, à luz da legislação aplicável, reside na singularidade da posição institucional da carreira dos Procuradores da Fazenda Nacional.
Parece não subsistir dúvida quanto à premissa de que os Procuradores da Fazenda Nacional são servidores localizados administrativamente no Ministério da Fazenda. Com efeito, os cargos de Procurador da Fazenda Nacional foram criados e existem nas várias unidades da PGFN, órgão integrante da estrutura do Ministério da Fazenda (Portaria MF n. 86, de 22 de março de 2000 e Portaria PGFN n. 561, de 26 de outubro de 2001). Nesta linha de raciocínio, notadamente em função do poder hierárquico, típico da função administrativa, encontraríamos nas autoridades fazendárias as competências próprias para administrar a força de trabalho representada pelo conjunto dos Procuradores da Fazenda Nacional. Em princípio, para estes últimos, os atos de localização nos vários órgãos do Ministério da Fazenda, as promoções, a aplicação de punições disciplinares, a organização dos concursos para ingresso na carreira, entre outros atos administrativos relevantes, deveriam ser praticados no âmbito do Ministério da Fazenda. O art. 12, caput da Lei Complementar n. 73, de 1993, ao utilizar, para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a expressão "órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda", aponta justamente neste sentido.
Ocorre, como frisamos, que os Procuradores da Fazenda Nacional, como carreira de agentes públicos, apresentam, por força da Lei Complementar n. 73, de 1993, uma singularidade. Ao mesmo tempo em que são servidores do Ministério da Fazenda são Membros da Advocacia-Geral da União (art. 20 da Lei Complementar n. 73, de 1993). Aqui é importante salientar uma distinção importante realizada pelo legislador complementar. Na Advocacia-Geral da União, temos Membros efetivos, mais precisamente Procuradores da Fazenda Nacional, Advogados da União e Assistentes Jurídicos, incumbidos das atividades-fim, e servidores, responsáveis pelas atividades-meio da instituição. A diferenciação destacada serve, inclusive, para confirmar a existência de certas garantias estabelecidas pelo legislador para o exercício independente dos cargos efetivos da Advocacia Pública da União. Não foi por outra razão que aspectos cruciais da vida funcional dos Membros da Advocacia-Geral da União foram afetados a um órgão colegiado, o Conselho Superior, onde estão representadas as três carreiras da instituição.
Como Membros da instituição Advocacia-Geral da União, aqui vista como um sistema de órgãos e agentes públicos responsáveis pelo exercício da Advocacia Pública da União, os integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União gozam de certas prerrogativas, como afirmamos, para garantia de isenção no exercício de suas atribuições. É justamente por esta razão que existe o Conselho Superior. É justamente por este motivo que existem aspectos da vida funcional dos integrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União que não são tratados de forma idêntica as dos demais servidores, notadamente os servidores de apoio administrativo da própria instituição. Estes aspectos são justamente os concursos, as promoções, as remoções e as habilitações em estágio confirmatório.
Assim, a vinculação dos Procuradores da Fazenda Nacional ao Ministério da Fazenda e suas autoridades não é total, completa ou integral. Identificamos, neste particular, uma vinculação mitigada ou limitada. Esta conclusão decorre das regras explícitas inseridas na Lei Complementar n. 73, de 1993.
Não seria razoável argumentar de forma isolada (ou absoluta) com o art. 12 da Lei Complementar n. 73, de 1993, antes destacado e transcrito. Afinal, este dispositivo convive, no mesmo diploma complementar, com os arts. 7o., 20, 23, 24 e 25, também ressaltados e transcritos. Em outras palavras, pela via da interpretação não seria possível negar eficácia aos comandos postos pelo legislador, mesmo para prestigiar outro regra de mesma estatura das afastadas. Neste sentido, teríamos uma situação absolutamente surrealista se vingasse a tese da pura e simples subordinação administrativa dos Procuradores da Fazenda Nacional ao Ministério da Fazenda. As carreiras de Advogado da União e Assistente Jurídico teriam um tratamento institucional das remoções, raciocínio perfeitamente extensível aos outros aspectos da vida funcional já referidos, a partir de um órgão colegiado em que as respectivas carreiras têm representação, enquanto os Procuradores da Fazenda Nacional dependeriam da decisão monocrática do Ministro da Fazenda. Dificuldade adicional, no contexto desenhado, seria justificar a presença da representação eleita dos Procuradores da Fazenda Nacional no Conselho Superior da Advocacia-Geral da União.
Devemos, portanto, para evitar as incongruências postas, caminhar em rumo diverso. A convivência normativa referida encontra guarida no princípio ou critério da especialidade. Com efeito, é possível solucionar o virtual impasse (antinomia aparente) conferindo primazia à lex specialis, que impedirá a incidência da regra geral nas matérias expressamente ressalvadas ou tratadas, resguardando a eficácia e a aplicabilidade da regra geral para os demais casos não abrangidos nas exceções.
Cumpre, por fim, destacar que as considerações aqui realizadas são aplicáveis tanto para as remoções "a pedido" como para as remoções "de ofício". A uma, porque o legislador complementar tratou das remoções, sem qualificá-las. Assim, não seria lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não o fez. A duas, porque as remoções estão inseridas entre as matérias ou ocorrências administrativas protegidas em razão do exercício funcional, que se espera isento, por parte dos Membros das carreiras da Advocacia-Geral da União. Ademais, a Administração Pública precisa prover os órgãos públicos com a força de trabalho necessária para seu adequado funcionamento. Em princípio, na medida em que todos são aptos, eis que aprovados em concursos públicos de provas e títulos, não se justifica a escolha pessoal de agentes públicos, com a finalidade de prestigiar ou depreciar, para ocupar cargos vagos nesta ou naquela unidade integrante do sistema da Advocacia Pública da União.
Podemos, então, concluir, considerando os argumentos postos, o seguinte: (a) não subsiste competência para as autoridades do Ministério da Fazenda tratarem de remoções dos Procuradores da Fazenda Nacional, residindo aquela nos órgãos da Advocacia-Geral da União e (b) o regramento diferenciado para as remoções, estatuído pela Lei Complementar n. 73, de 1993, visando, ao lado de outras ocorrências funcionais, a exemplo das promoções, dos concursos e das habilitações em estágio confirmatório, a isenção do exercício das funções dos Membros das carreiras da Advocacia-Geral da União abrange as duas modalidades previstas na legislação ("a pedido" e "de ofício").
Brasília, 20 de junho de 2002.
Aldemario Araujo Castro
Procurador da Fazenda Nacional
Membro eleito do Conselho Superior da Advocacia-Geral da União